Escrito por João Sobreira de Moura Neto*
Entra governo, sai governo e se mantém o vilipêndio ao ensino médico no Brasil. O Ministério da Educação autorizou, em junho, a criação de mais nove cursos de medicina particulares com 800 vagas no total, sendo 520 nas regiões Sul e Sudeste, onde hoje já se concentram 72% dos médicos brasileiros. As novas escolas estão nas cidades de Votuporanga (60 vagas) e São José do Rio Preto (160 vagas em dois cursos), em São Paulo; Belo Horizonte (120 vagas) e Betim (120 vagas), em Minas Gerais; e Londrina (60 vagas), no Paraná. As demais ficam em Recife/PE (120 vagas), Cajazeiras/PB (60 vagas) e Salvador/BA (100 vagas).
Ao ler estes números, é simples constatar quão infundado se apresenta o argumento de que seriam necessárias mais escolas de medicina porque há cidades e regiões que não contam com esses profissionais. Falácia. Provavelmente, nenhum dos médicos que vierem a se formar em um desses novos cursos privados irá trabalhar em uma cidade ou região carente de médicos. Eles farão, sim, parte de um sistema saturado de médicos nas instituições de melhor qualidade. Disputarão acirradamente vagas em programas de residência médica e poucos conseguirão ser selecionados. Resistirão a trabalhar na periferia dos grandes centros onde estudaram. Se vierem a fazê-lo, perderão muitas horas de sua vida no trânsito e estarão sujeitos a todo tipo de cobrança e violência nas unidades de saúde. Precisarão fazer muitos e muitos plantões para somar uma remuneração razoável, que sequer de longe será suficiente para cobrir, em médio prazo, as altas mensalidades pagas à faculdade. Não se sentirão atraídos a começar a vida profissional em um local distante, sem garantias e sem perspectiva de retorno. Acabarão tendo múltiplos empregos e vínculos, sem conseguir dedicar-se à prática médica da maneira como sonharam. Sem conseguir estudar de forma continuada. Sem conseguir cuidar de si. Esperando que, um dia, o trabalho médico venha a ser valorizado no serviço público e pelos planos de saúde. Sabe-se lá quando.
Se esta é a realidade dos atuais médicos jovens, o que se dirá a respeito dos futuros profissionais? E o MEC foi além. Anunciou publicamente que pretende criar mais 2.415 vagas em cursos de medicina já existentes e em outros a serem abertos até 2014. Em defesa da saúde dos cidadãos e da qualidade do exercício da medicina do Brasil, a Associação Médica Brasileira, a Associação Paulista de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, com apoio das sociedades de especialidade, repudiaram em nota oficial a intenção do Ministério.
Atualmente, já temos 196 escolas médicas no país, somando 16.892 vagas. Sete foram criadas em 2011, sendo cinco particulares, uma municipal e uma estadual. Este ano, além das nove já mencionadas, foi criada uma federal em fevereiro. No quadro geral, são 82 cursos públicos (federais, estaduais e municipais) contra 114 privados, criados principalmente de 1967 a 1970 (auge do período militar), 1997 a 1999 (segundo mandato do governo FHC) e desde 2002 até nossos dias (governos Lula e Dilma). A interesses de quem o Executivo tem se empenhado em atender? Os dados estão todos disponíveis no site www.escolasmedicas.com.br.
Curioso é que, embora anuncie sem pudor ou justificativa plausível a proliferação de escolas médicas, o MEC não menciona nada sobre o que será feito com os cursos de má qualidade, o que se comprova nas notas do Enade, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes. Das 141 instituições avaliadas na última edição, 23 (quase 17%) tiveram notas entre um e dois e nenhuma obteve a nota máxima (5). O ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, convidado para presidir uma comissão de especialistas responsável por avaliar essas escolas, desistiu após meses e meses de diversas visitas técnicas, pareceres, termos, estabelecimento de critérios e… avanço nenhum. Precisamos ser mais incisivos ao cobrar, diuturnamente, essas respostas.
*João Sobreira de Moura Neto é diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina (APM)
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