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Escrito por Tiago Neiva*


As origens da Atenção Primária em Saúde (APS), segundo Starfield (2002), remontam a 1920, oito anos após o estabelecimento do seguro nacional de saúde na Grã-Bretanha, quando Lord Dawsonof Penn enunciou no Report on the Future Provision of Medical and Allied Services a distinção de três níveis principais de serviços de saúde, os centros de saúde primários e secundários e os hospitais-escolas. Estes deveriam estar vinculados entre si e com atribuições distintas, mas complementares, tendo como base o conceito de regionalização.

Define-se a APS, segundo a Declaração de Alma Ata, como:

“A Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possam arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação… É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde”.

A APS tem sido o referencial do discurso sobre modelo de assistência à saúde na maioria dos países, inclusive no Brasil, em grande parte porque a APS tentou dar respostas antecipatórias, racionais e com base em evidências às necessidades de saúde e às expectativas sociais.

Entretanto, segundo o Relatório Mundial de Saúde 2008 (OMS), as respostas do setor da saúde ao mundo em mudanças sociais; políticas; econômicas, enfim, têm sido inadequadas, pois falham não só na antecipação, mas também na resposta apropriada, e ingênua, uma vez que falhas do sistema requerem uma solução ao nível do sistema e não soluções temporárias.

Em diversos países, os princípios da APS foram adotados em diferentes perspectivas, sendo que, no Brasil, a partir dos anos 90 constitui-se uma estratégia capaz de revolucionar o modo de fazer-se APS.

Mais precisamente, em 1991, surgiu uma iniciativa precursora do Programa ou Estratégia Saúde da Família (ESF), o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Ampliando-se o PACS e agregando-se princípios da APS, em 1994, começaram-se as equipes de Saúde da Família, que priorizavam as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das famílias de modo integral e longitudinal.

O Programa Saúde da Família, segundo o Ministério da Saúde (2001), surgiu com o objetivo de reorganizar a prática assistencial em novas bases e critérios, substituindo o modelo tradicional de assistência à saúde, orientado para a cura de doenças e realizado principalmente no hospital.

Seria uma atenção realizada por equipe multiprofissional, centrada na família, entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social, que possibilitaria uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que vão além das práticas curativas. Surgiu com a pretensão de constituir-se não numa intervenção vertical e paralela aos serviços de saúde, mas como estratégia promotora da integração e organização entre eles.

Os profissionais das equipes de saúde da família, dentre os quais os médicos, deveriam ser generalistas e com formação típica para atender às especificidades do ambiente APS. Em nosso país, o especialista médico generalista cuja formação é a mais apropriada para a ESF chama-se Médico de Família e Comunidade e sua sociedade de especialidade médica acaba de fazer 30 anos de idade (05/12/11).

A origem deste especialista médico, segundo McWinney & Freeman (2010), remonta ao século XVIII na América do Norte e século XIX, na Grã-Bretanha, quando surgiram os primeiros Clínicos Gerais. Nos Estados Unidos, as exigências para um médico generalista foram estabelecidas em dois relatórios fundamentais: The Graduate Education os Physicians (Millis, 1966) e Meeting the Challenge of Family Practice (Willard, 1996).

Nas décadas de 1950 e 1960, faculdades e centros de prática generalista foram estabelecidos, bem como os primeiros cursos de pós-graduação, e houve muito progresso na definição de currículos e na elaboração de exames.  As primeiras disciplinas acadêmicas estabeleceram-se na Grã-Bretanha, Canadá, Holanda e Estados Unidos, e a Medicina de Família e Comunidade foi introduzida no currículo de graduação. Em 1972, foi formada a World Organization of National Colleges and Academies of General Practice/Family Medicine (WONCA).

No Brasil, desde os anos 70, existem programas de residência médica em Medicina de Família e Comunidade (antes chamada de Medicina Geral Comunitária), que obtiveram importante impulso após a constituição da ESF.

Segundo o Relatório de Pesquisa do Conselho Federal de Medicina 2011 – Demografia Médica no Brasil, são mais de 350 mil médicos no Brasil, dos quais cerca de 155 mil médicos são generalistas não especialistas, cerca de 45% do total, e somente 2.632 são especialistas generalistas, ou seja, Médicos de Família e Comunidade (MFC). Os MFC são pouco mais de 1% dos médicos brasileiros.

É importante ressaltar que, segundo o Sistema de Informação da Atencão Básica – SIAB (2011), Ministério da Saúde, hoje temos mais de 32 mil equipes de saúde da família. Considerando que cada equipe deve ser composta, dentre outros profissionais, por um médico generalista, constatamos que maioria absoluta dos médicos que atuam na ESF não são especialistas generalistas, mas sim especialistas focais (pediatras, clínicos médicos, etc.) ou generalistas não especialistas.

Mais uma vez fazendo referência ao Relatório Mundial de Saúde de 2008, destacam-se alguns elementos que distinguem a APS, que a potencializam, que juntos são capazes de dar-lhe uma grande capacidade de resolver a maior parte das necessidades de cuidados de saúde das populações, dentre eles pode-se fazer ênfase ao prestador habitual e de confiança como aquele da porta de entrada. O Médico de Família e Comunidade, desde seus primórdios, é o especialista médico formado para ser este profissional.

Nos últimos anos, a MFC no Brasil sofreu uma grande expansão de profissionais, mas ainda muito aquém das necessidades de se estruturar um serviço nacional de APS que, da perspectiva assistencial médica, seja capaz da “observância da pessoa na sua totalidade, na sua especificidade familiar e no contexto da sua comunidade”.

Define-se a MFC em termos de relacionamentos, portanto, uma relação duradoura, continuada, de freqüentes contatos com a pessoa assistida é fundamental para o cuidado alcançar seu potencial ótimo, assim como um compromisso mútuo dos participantes da interação (McWinney & Freeman, 2010).

Esperamos que, em seus próximos 30 anos, a MFC no Brasil seja capaz de alcançar sua missão em cada unidade de saúde da família deste país, e que cada um doente e cada um saudável seja seu primeiro agente de saúde.

 

* Tiago Neiva é ex-presidente e membro-fundador da Associação Brasiliense de Medicina de Família e Comunidade, diretor do Sindicato Médico do DF e médico do PSF Rural de Ponte Alta (Gama-DF)

 


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