Escrito por Júlio Rufino Torres*
Diante do falecimento do nosso querido e amigo Pinheiro gostaria de fazer uma meditação.
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Desde que o ser humano, o homo sapiens, surgiu na face da terra, em suas mais remotas e primitivas sociedades, manifestava sua crença em algo que estava acima de sua vida material. Além de diversos outros comportamentos e costumes, qualquer pessoa que morria era enterrada com seus pertences, demonstrando que acreditavam em uma vida para além daquela, física, que havia terminado. Isto acontecia antes mesmo que qualquer atividade intelectual tivesse principiado; como dizia o poema babilônico da criação: “Enuma elish la nabu Shamanu”, “Quando o céu lá no alto ainda não tinha nome”.
Continuamos assim? CERTAMENTE. Há explicações para diversos fenômenos que só penetram no interior de muitas pessoas através da FÉ, que é uma DECISÃO PESSOAL E INTRANSFERÍVEL: CRER OU NÃO CRER.
Blaise Pascal, matemático, físico e filósofo francês do século XVII, escreveu um livro chamado PENSAMENTOS (“PENSÉE” no original), no qual faz uma análise de questões diversas e questiona: “DEUS EXISTE OU NÃO EXISTE, EM QUAL AS DUAS HIPÓTESES VOCÊ APOSTA”. É uma grande verdade; são duas gigantescas hipóteses questionadas – não mais nem menos que isto – e a resposta será para sempre pessoal e intransferível, UMA APOSTA.
A perfeição do universo como um todo e do fenômeno VIDA, leva-nos a uma série de questionamentos; e, quando analisamos a VIDA HUMANA em particular, a questão se torna infinitamente maior, gigantesca. Quanto mais coisas são descobertas maior se torna a interrogação. Virgílio, filósofo romano, dizia: “Felix qui potuit rerum cognoscere causas’ – “Feliz aquele que pode conhecer as causas das coisas”. E nós, a conhecemos? A resposta ainda é NÃO, em um elevadíssimo número de situações; aí entra a questão da aposta de Pascal. Com grande freqüência descobertas brilhantes são feitas; os prêmios nobéis estão aí para gratificar os “anima nobile” que se destacam dos demais.
A análise do fenômeno VIDA é capaz de nos conduzir a um infinito inalcançável. Dizia Karl Popper, cientista austríaco: “Eu acho que a vida é tão extremamente improvável que nada pode explicar porque ela se originou”. Todo e qualquer raciocínio científico conclui que a probabilidade da vida ter surgido por acaso, aleatoriamente, por puro golpe da sorte não é zero, mas é infinitamente próxima do zero em termos matemáticos. O Prof. Bezerra Coutinho, de quem tive a honra de ser aluno no Recife, que era um gênio, um sábio e reconhecido como agnóstico, cita em seu livro uma comparação falada por diversos cientistas em tom de brincadeira: a possibilidade de a vida ter surgido por acaso é a mesma que um grupo de macacos, dedilhando em uma máquina de escrever, venha a produzir um texto de Shakespeare sem erros, ou, de um relógio ser montado ao se sacolejar suas peças dentro de uma urna. Se isto se diz a respeito de simples advento da vida, infinitamente acima ficará o surgimento da vida humana com sua INTELIGÊNCIA.
Foi citado na revista VEJA: “Se a história do planeta fosse condensada em 24 horas, os chimpanzés teriam surgido apenas dois minutos antes do homem. Somente 1,6% de seu patrimônio genético é diferente dos humanos, ou dito de outra forma, 98,4% do chimpanzé é igual ao homem do ponto de vista genético”.
E o restante das diferenças? O nosso pensamento navega para além do infinito com extrema velocidade. O nosso sistema músculo esquelético realiza movimentos incrivelmente velozes e perfeitos que brotam de um automatismo sob o controle de mini micro estímulos cérebro medulares; eles fazem com que mãos e dedos, extremamente habilidosos, gerem alucinantes sons musicais a partir das cinco cordas de um violino ou dos teclados de um piano.
Há cordas vocais que, mesmo tendo o tamanho de 14 a 25 milímetros, exatamente iguais às das demais pessoas, emitem sons inebriantes que enchem nossos ouvidos e os nossos corações de um prazer indescritível. Considerem-se ainda os neurônios cerebrais dos compositores, dos gênios da música, que são e eram exatamente iguais aos das pessoas comuns.
Nossos órgãos todos funcionam perfeita e automaticamente; micro porções de hormônios desencadeiam fantásticos ciclos vitais em nossos organismos. A mente humana gera também poesias lindíssimas e dita palavras plenas de sabedoria que perpetuam ao longo da historia humana. A nossa memória é guardada em mini micro estruturas desde a infância.
Além, muito além, infinitamente além da inteligência e da memória, temos a nossa capacidade de AMAR. O AMOR – muito acima de um simples sentimento – é a livre decisão de doar parte de nós mesmos para a construção ou a manutenção da felicidade de outrem; grupos humanos que aprendem a falar – embora a perfeição não exista em ninguém; humano algum a possui em plenitude.
Embora tomemos a decisão de praticar o amor, corremos o risco constante de fazer todos os seus contrários. O amor e o desamor convivem lado a lado, gerando balanços positivos ou negativos em nossas histórias. Homem ou mulher alguma é, nem nunca foi, isento de erros.
Outra faceta importante das nossas existências é a liberdade. Somos, por natureza, absolutamente livres, embora nossas decisões e ações sejam regidas por leis que devem existir apenas para que nossos comportamentos sejam compatíveis com os direitos comuns a todos.
Ponhamos de novo à mesa a questão fundamental: o universo como um todo e a deslumbrante beleza natural que nos cerca; a vida – com fenômeno geral – e a humana em particular, tudo isso teria surgido por acaso ou foi criado por um ser inteligente, eterno e infinito, no qual depositamos a nossa fé?
Seria possível, por exemplo – em termos comparativos – uma escultura admirável por sua perfeição surgir pela ação natural de ventos e chuvas agindo sobre um bloco de mármore ao longo dos milênios, como acontece com as estalactites e as estalagmites de uma gruta?
Tudo o que nos cerca e o que está dentro de nós com tamanha perfeição poderia ter surgido aleatoriamente? Se assim não foi é porque foi programado, e, se foi programado, é porque existe um programador. A resposta é e continuará sendo eternamente pessoal e intransferível, uma opção de cada um que se debruce sobre este tema.
Quis apresentar este raciocínio extremamente simples e sumário como base para declarar que eu, pessoalmente, diante de tudo, achei e acho sensato apostar no SIM diante da aposta de Pascal; iniciei minha fé na infância, através das informações anímicas e comportamentais dos meus pais – pessoas simples, humildes e pobres, porém muito sábios; depois, nos momentos de folga e de lazer da vida universitária a desenvolvi e aprofundei, incluindo o conhecimento científico intelectual, mantendo sempre o entendimento de que é uma DECISÃO PESSOAL.
Acredito, e acho muito lógico acreditar, na existência de um Deus infinito que nos criou e nos premiou com uma existência cuja face material é passageira e milimétrica, diante da infinitude que se segue. É neste outro plano da vida, indescritível e inimaginável – denominado poeticamente por alguns de “mansão das bem aventuranças” – que viverão em um estado de felicidade plena todos os que se esforçarem para amar a si mesmo e aos outros, mesmo sendo passageiros da imperfeição, apesar de todas as falhas e defeitos interiores e circunjacentes.
Tendo conhecido o Pinheiro – como todos o conhecemos – temos o pleno direito de supor que é nesta outra dimensão, de felicidade plena e ininterrupta, que, COM CERTEZA, ele se encontra; estamos autorizados a fazer esta suposição baseados nos atos e ações por ele praticados, pelo seu estilo de vida vivenciado no dia a dia.
Em breve todos nós, crendo ou não, iremos nos encontrar com ele se, como ele, fizermos por onde merecer. Resta somente esperar e sem temer.
ESTE DIA VIRÁ…
*Texto lido pelo conselheiro federal pelo estado do Amazonas, na sessão plenária de 16 de movembro que homenageou o conselheiro federal Antônio Gonçalves Pinheiro, falecido em outubro.