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Conselho Federal de Medicina

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Escrito por Rafael Ximenes*

 

 

 

Nenhuma profissão caiu tanto no conceito da opinião pública no Brasil como a medicina nas últimas décadas. A população brasileira hoje diz ser mal atendida. E não o faz sem uma certa razão. Há uma longa espera até se conseguir marcar uma consulta médica ambulatorial. No sistema público, podem-se aguardar meses, às vezes mais de um ano a depender da região e da especialidade pretendida. Nos planos de saúde, o tempo é menor, mas pode chegar de semanas a alguns meses.

Reclama-se que os planos de saúde são caros e que não cobrem todos os procedimentos necessários. Critica-se com veemência a falta de estrutura das unidades básicas de saúde, o caos dos pronto-socorros. Ouvimos ainda que o médico não mais examina seu paciente, muito menos escuta suas queixas. E tais reclamações são todas injustas e correspondem a uma tentativa de caluniar a medicina? Certamente que não. Mas cabe aqui uma pergunta fundamental: a culpa desta situação é toda da classe médica?

Em primeiro lugar, não acredito ser necessário destacar a carga horária de trabalho da maioria dos médicos. Sessenta, noventa, até cento e dez horas por semana. Portanto, não acho sensato atribuir à falta de disponibilidade do médico a espera a que a população é submetida. Os médicos atendem. E muito. Inclusive mais do que deveriam, chegando à exaustão após horas de plantão. E se atendem rapidamente, são criticados por não dar atenção ao paciente. Demoram-se na consulta, os que aguardam reclamam da demora para o atendimento.

Também não poderíamos dizer que há um número insuficiente de profissionais. Temos hoje mais médicos do que o necessário segundo a Organização Mundial de Saúde. Então por que a população espera tanto por atendimento? Um dos problemas é a escassez de algumas especialidades em contraste com a abundância de outras. E não é muito difícil entender o motivo. Hoje, o valor pago por uma cirurgia de colocação de prótese mamária é maior do que o de uma cirurgia cardíaca. Reclama-se ao pagar vinte reais por uma consulta, mas paga-se dez mil reais por uma cirurgia plástica. É algum absurdo que os recém-formados busquem especialidades onde serão melhor remunerados? Se a sociedade valoriza mais a estética do que a saúde, a culpa é da classe médica?

Outro grande problema é a má distribuição de médicos entre as diversas áreas do Brasil. É exigido do médico que não se submeta a condições de trabalho que julgue inapropriadas, sendo inclusive o mesmo responsável por prejuízos ao paciente em caso de falta de recursos para o atendimento. Se determinado local não tem o número de profissionais de que necessita, deveríamos rever que condições de trabalho estes lugares oferecem. Querer que o médico vá para onde ele é necessário e depois responsabilizá-lo pela falta de estrutura é no mínimo injusto. Portanto, é culpa dos médicos se concentrarem em alguns centros em detrimento de outros?

Acredita-se que os médicos sejam bem remunerados e quando os mesmos lutam pelo aumento de seus honorários são vistos como mercenários. Mas trabalhando cento e dez horas por semana, qual profissional com nível superior não ganharia mais? Se um médico decidir trabalhar as mesmas quarenta horas semanais de outras profissões (para não citar as que cumprem metade disto), certamente não ganharia tão bem.

Um plano de saúde paga por consulta de vinte a cinquenta reais. Se considerarmos gastos com aluguel de consultório, equipamentos de trabalho e impostos, talvez seja melhor não calcular a remuneração de um atendimento. Mas dizem que os médicos credenciam-se em planos de saúde porque querem e, portanto, têm que aceitar o valor que recebem. Porém, quando se discute que não mais se atenda por tais planos, somos acusados de não querer atender a população. Quer dizer que somos obrigados a nos sujeitar a empresários com patrimônios bilionários e que nos desrespeitam com remuneração pífia? É por acaso algum crime querer que depois de seis anos de faculdade, três a seis anos de residência, alguns com mestrado e doutorado, queiramos receber mais do que o valor de um corte de cabelo para cuidar e nos responsabilizarmos por vidas? Não posso acreditar que sim. Porque se isto for verdade, se a população não acha que o valor de um médico é superior a vinte reais, então não são os médicos que faltam com respeito à população. É a população que deveria se envergonhar de tal postura.

Se o valor pago por um plano de saúde é alto, acredito ser direito dos clientes reclamarem. Para o plano de saúde, não para o médico. E por que os planos são tão caros, se o médico recebe tão pouco? Os motivos são vários, a começar pelo lucro dos intermediários.

Vivemos nas últimas décadas um encarecimento da medicina. Com o surgimento de novas tecnologias, o custo de um atendimento passou a ser bem maior. Certamente, a qualidade também melhorou, pelo menos para quem tem acesso a tais recursos. Ressonância nuclear magnética, testes genéticos, próteses e órteses, stents coronarianos, anticorpos monoclonais, para citar alguns exemplos, passaram a integrar o arsenal da medicina moderna. Tudo isto é muito caro.

Os diagnósticos médicos, antes baseados em história clínica e exame físico, hoje podem exigir exames que custam de centenas a milhares de reais. E os pacientes muitas vezes exigem que tais exames sejam feitos, mesmo sem saber se são indicados para aquele caso. É freqüente ouvirmos que «o médico não pediu nenhum exame» como algo negativo, como sinal de incompetência ou negligência. Se o custo de exames complementares encarecem a medicina quando bem indicados, imaginem quando usados de forma indiscriminada. Mas solicitando vários exames, todos ganham. Os médicos são bem vistos, os pacientes ficam satisfeitos, os donos das máquinas nem se fala. Só não devemos esquecer de que bolso virá o dinheiro.

Por outro lado, há aqueles que necessitariam de procedimentos de alto custo e que não tem acesso aos mesmos. Limitar a medicina moderna àqueles que têm dinheiro, não me parece justo. Da mesma forma que não acho justo que muitos não tenham acesso à alimentação, segurança, educação e moradia. Mas não vejo ninguém dizer que os advogados deveriam defender as pessoas por vinte reais, que os agricultores são mercenários por quererem vender a comida a quem tem fome ou que os engenheiros deveriam construir casas para os desabrigados sem nada cobrar e pagando do seu bolso os materiais de construção. Quer dizer que só os médicos são culpados pelas mazelas da sociedade? E mesmo que o médico abrisse mão de sua remuneração, quem vai pagar os exames, remédios, internações? Nesta conta, o honorário médico é o que menos pesa.

Dito tudo isto, acho que a resposta para a minha pergunta é não. Os médicos não são os únicos culpados pelo alto custo da medicina, pela demora do atendimento aos pacientes, pela exclusão de uma grande parcela da população a um atendimento de ponta. Antes de tudo, assim como a população, somos vítimas.

Por fim, muitos podem criticar este texto por ter sido focado em custos, dinheiro, reconhecimento, ao invés de falar de características que a profissão médica deveria ter, como humanismo, dedicação, humildade, caridade. Não posso deixar de reconhecer que, assim como em outras profissões, hoje estas qualidades faltam a parte da categoria médica. E disto nós temos culpa e, neste ponto, devemos um pedido de desculpas à população.

Acho inadmissível o fato de que existam médicos que hoje nem sequer fazem um exame clínico completo e bem feito, que cedem às pressões para um atendimento rápido e em escala, que pedem exames sem necessidade apenas para não perder tempo explicando para o paciente as indicações e riscos de cada procedimento. Envergonho-me ao ver colegas tratando de forma diferente as pessoas por serem atendidas pelo SUS ou em consultórios particulares, em presenciar a indiferença diante do sofrimento alheio. Certamente acho que a medicina deva ser uma profissão humanitária, que o médico deva se preocupar em atender a população carente, e não apenas os mais abastados. Mas acho que merecemos mais respeito e reconhecimento ao fazê-lo.

Talvez isto não passe de nossa obrigação, do juramento que fizemos ao nos formar, como muitos gostam de lembrar nestes momentos. Mas em um país onde a maioria não cumpre os seus deveres, onde promessas feitas hoje são esquecidas amanhã, é um grande mérito ter palavra. E para quem não conhece o juramento de Hipócrates, sugiro que o leiam antes de citá-lo, para que não incorram em erro por ignorância.

 Como na maioria dos relacionamentos, seja entre irmãos, amigos, pai e filho, homem e mulher, quando as coisas não vão bem, os dois lados tem sua parcela de responsabilidade. Não adianta procurarmos um culpado. E não é diferente na relação médico-paciente. Se chegamos ao desgaste atual, é hora de cada parte rever sua postura. Só assim voltaremos àquilo que é o desejo de todos: uma medicina bela e eficiente, caridosa e reconhecida, trabalhosa e recompensada, difícil, mas, acima de tudo, que leve alívio àqueles que sofrem, vida onde há incerteza e consolo onde este se faz necessário. Que assim seja.

 

 

* Rafael Ximenes é médico e escritor, membro da Sociedade Brasileira de Escritores Médicos (Sobrames), com 3 livros publicados.

 

 

 

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