Escrito por Desiré Carlos Callegari*
Em julho, o Conselho Federal de Medicina cobrou do Governo respostas para uma proposta divulgada pela imprensa que prenuncia um dos maiores equívocos no país na área da assistência em saúde. Um suposto plano nacional de educação médica promete a criação de 2500 vagas em cursos de graduação no país com o objetivo de aumentar o total de médicos em atividade para melhorar o atendimento na rede pública.
Em gestação nos Ministérios da Educação e da Saúde, a medida revive passado nebuloso da nossa história, quando os gestores públicos decidiam – pelo bem ou pelo mal – com base em decretos. Para a Medicina, o impacto nefasto desta forma de administrar a coisa pública não é nova.
Nos anos 70, Governo apostou na abertura de vagas nas universidades em cursos de áreas consideradas chaves para o país. Entre elas, estava a Medicina. À boca pequena, falava-se que o raciocínio era, na verdade, equiparar os médicos ao sal. Ou seja, fáceis de encontrar e baratos.
Mas até essa comparação jocosa permite questionar lógica tão absurda. Mesmo se os médicos fossem iguais ao sal, ambos só teriam função se houvesse algo para temperar. E quem atua no Sistema Único de Saúde (SUS) sabe que a rede sofre com percalços históricos, apesar de ilha de excelência que insistem em flutuar em meio à tormenta permanente.
Digamos que o Governo insista em sua tese estapafúrdia – para dizer o mínimo. Ora, as brechas são tantas que apenas algumas perguntas desmontam seus argumentos.
Em primeiro lugar, qual tipo de ensino será oferecido a esse imenso contingente de novos estudantes? Atualmente, o Brasil conta com 183 escolas médicas, número mais de 80% superior ao de 10 anos atrás. O pior é que número importante das novas escolas médicas está sem condições plenas de funcionamento. Faltam instalações, professores e conteúdo pedagógico adequado. Abrir mais vagas seria aumentar ainda o fosso no qual estão mergulhadas.
Outra questão se impõe: qual a segurança de que os novos médicos atenderão nas zonas desassistidas? A tese defendida é uma falácia desprovida de senso prático. A duplicação do total de escolas não solucionou a povoação de médicos nos locais descobertos e sequer melhorou a qualidade de seus produtos finais – os médicos ali formados.
O prejuízo afeta, especialmente, a população que fica à mercê de profissionais com formação deficiente, que, por sua vez, também são vítimas neste processo, ao serem enganados pelas promessas de escolas sem qualidade.
Finalmente, indagamos: A presença de médico é garantia de atendimento? Sem instalações, sem equipamentos, sem rede de referencia e de contra referência, ele estará de mãos atadas e com um estetoscópio no pescoço contra o caos. O CFM não fará o jogo de cena do Governo e aceitar essa proposta em silêncio.
Exigimos o tratamento sério do tema, sem promessas vãs e desprovidas de bom senso. Que falemos do que importa: aumentar os investimentos em saúde; qualificar e modernizar a gestão; valorizar os profissionais de saúde, sobretudo o médico. É disso que o país precisa. É isso que os médicos e a sociedade esperam.
* Desiré Carlos Callegari é 1º secretário do conselho Federal de Medicina (CFM) e presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp).