A primeira palestra do evento, no dia 22, foi realizada pelo clínico-geral Carlos Vital, 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), e sócio fundador da Sociedade Brasileira de Direito Médico. Ao abordar o tema “Aspectos éticos do relacionamento entre médicos e outros profissionais”, Vital defendeu a ética contra o oportunismo, a integridade e seus valores, tanto na Medicina quanto no Direito, e a regulamentação da profissão do médico, projeto que tramita no Senado, depois de ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado. “Devemos marchar unidos, como fazem os animais”, afirmou, após a projeção de um trecho do documentário A Marcha dos Pinguins, do biólogo e cineasta francês Luc Jacquet.
O projeto de lei do Ato Médico e a união da classe médica em torno de sua regulamentação também foram abordados na palestra seguinte, do ortopedista e deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), sobre “Aspectos políticos do exercício da medicina”. “Nossa posição é clara e cristalina: nós não abriremos mão da prerrogativa do diagnóstico, do tratamento e do comando da equipe multidisciplinar no tratamento de um paciente”, disse. E complementou: “Do contrário, seria negar a Medicina”. Para o parlamentar, se não houver mobilização comandada pelas associações e entidades de classe, dificilmente o projeto será aprovado. Em tramitação há praticamente nove anos, o projeto está atualmente no Senado e, caso haja alterações no texto nesta Casa, voltará à Câmara. “O médico deve ser conscientizado em relação ao ato político, para que não se repita essa situação de demora na aprovação de projetos do interesse da categoria, como a própria regulamentação”, acrescentou Caiado. O deputado conclamou a classe médica a se unir e ter maior atuação política, em defesa de suas demandas,
Na terça-feira, 23, o médico Julio Cesar Meirelles, ex-presidente do CRM-DF, deu aula aos profissionais e alunos das áreas de Medicina e Direito sobre “Responsabilidade médica e deontológica”. Meirelles destacou a entrada em vigor, em 13 de abril, do novo Código de Ética Médica, revisto e adaptado à realidade e à evolução da sociedade. “O profissional da Medicina deve conhecer os 21 itens do Código e a repercussão de seus atos, porque ele carrega o estigma da responsabilidade e chega a ser descabido considerá-lo, como muitos o fazem, um trabalhador da cura. Ele está submetido a um código que rege sua conduta, sob os aspectos científicos e morais, mas está sujeito, como todo ser humano, a lapsos de inobservância de responsabilidade que podem resultar em erro”, alertou. Segundo ele, o médico deve se aprimorar a cada dia e “buscar o mais que perfeito”, embora hoje mal consiga dominar tudo o que é oferecido, principalmente nos novos meios, como a internet. “O médico precisa acompanhar a evolução do conhecimento, tendo em mente que uma das definições da medicina é a de que se trata de uma profissão erudita de escopo humanitário – não é uma ciência, é um consórcio de ciências em favor da saúde humana”. A responsabilidade médica, concluiu, “deve decorrer da virtude, de uma atitude filosoficamente positiva diante dos desafios que a profissão apresenta, porque, como o filósofo já disse, a felicidade é um caminho que se persegue, não é um fim em si”.
O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo, completou a programação da segunda noite, com conferência sobre “Conflito de interesse na relação médico/paciente”. Raposo alertou sobre a necessidade de fiscalização sobre a propaganda e sobre a venda de medicamentos e sobre a influência que fabricantes ou distribuidores de remédios podem exercer sobre os médicos e os usuários desses produtos. Para Raposo, a propaganda de produtos relacionados à atividade médica deve ser regida por normas que contemplem a ética da relação com os pacientes. Segundo ele, a oferta e a venda de medicamentos devem evitar situações de conflito entre balconistas e farmacêuticos, e entre a publicidade enganosa e a prescrição – uma prerrogativa do médico, e não do vendedor que pratica a chamada “empurroterapia” sobre o usuário. O diretor da Anvisa solicitou aos médicos que notifiquem à Agência os efeitos dos remédios que prescrevem, observados em seus pacientes. “As falsificações existem, intencionais e criminosas ou não, o que obriga a Anvisa a interditar lotes ou mesmo determinar a suspensão da fabricação de determinados produtos, para que não haja prejuízo à saúde”, informou. A comprovação científica, de acordo com as pesquisas que apresentou, nem sempre é baseada em fatos reais e pode incluir até resultados de trabalhos não publicados, “escritos em letras de tamanho minúsculo, quase ilegíveis, impressas nas bulas dos medicamentos”. Dirceu Raposo disse ainda ser contrário à propaganda de medicamentos, “num país que está entre os dez maiores mercados mundiais desse produto e onde cerca de 50% dos pacientes apenas utilizam o medicamento de forma correta, o que contribui para a notificação de eventos adversos com base em informações não totalmente confiáveis”.
No terceiro dia do curso o presidente da AMBr, Lairson Rabelo, coordenou mesa-redonda sobre “O médico no contexto do mundo moderno”, com a participacão de Armando Bezerra, professor universitário e ex-conselheiro do CRM-DF, Carlos Vital, vice-presidente do CFM, e Volnei Garrafa, professor da UnB e especialista em bioética. Em palestra sobre “Sigilo Profissional e Segredo Médico”, Armando Bezerra disse que “segredo é o que o paciente abre de si e precisa falar ao médico, e sigilo é o que o médico guarda a respeito do que o paciente contou”. Segundo ele, o sigilo protege a medicina e pode ser quebrado por justa causa, por dever legal e por autorização expressa do paciente ou de um representante legal. Já Carlos Vital, em palestra sobre “Autonomia do Médico e do Paciente”, destacou que, atualmente, diante do progresso da ciência, crescem a especulação da indústria e do comércio, e a massificação da propaganda sensacionalista. Para ele, o médico vem perdendo o direito à legítima identidade. “O estetoscópio, diante da avalanche de definições do médico como prestador de serviço, é a causa da arritmia cardíaca do enfermo”. Volnei Garrafa, por sua vez, discorreu sobre “Ética e bioética”, defendendo que ética é diferente de moral. Ele abordou a importância da bioética, que não tem um conceito definido, pelo fato de ser plural,. “Cada cultura tem sua realidade econômica e científica”, disse, citando exemplo de tribo indígena na Amazônia que cultiva o infanticídio como “normal e usual”.
A seguir foi proferida a conferência “Aspectos Éticos e Jurídicos da Tecnociência”, por Malthus Fonseca Galvão, médico, odontólogo, bacharel em Direito e diretor do Instituto Médico Legal do DF. Para Galvão, o julgamento em casos envolvendo a saúde é mais difícil, porque os riscos nem sempre são explícitos. No tribunal, afirmou, quem ganha é sempre o advogado: “Erros médicos são causas milionárias e tudo acaba em dinheiro; há pedidos de indenização descabidos para uns, mas justos para os solicitantes”.
Na última noite do curso, foi realizado o painel “O médico e o modelo economicista”. O neurologista Ylmar Correa Neto, professor e integrante do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina, discorreu sobre o tema “Conflitos de interesse da medicina com a indústria e comércio”. Segundo ele, conflito de interesses é “o conjunto de circunstâncias onde se cria o risco de que o julgamento ou as ações profissionais visando um interesse primário sejam influenciados indevidamente por um interesse secundário”. Ele ressaltou que “o risco não é evitável, vai acontecer sempre nesta sociedade contemporânea complexa”. E concluiu: “É preciso cuidar do conflito antes que ele ocorra e, para isso, o Código de Ética Médica prevê vedação, ao médico, do recebimento de vantagem financeira, o que significa que a medicina não pode ser exercida como comércio mercantilista”. “Vedação e transparência são a maneira mais eficiente de regular os conflitos de interesses entre a atividade médica e o assédio da indústria e do comércio”.
Por fim, o médico e advogado Gutemberg Fialho da Costa, presidente do Sindicato dos Médicos do DF, falou sobre “A responsabilidade social do médico”, destacando que o profissional atualmente sofre com a precarização do Sistema Único de Saúde (SUS); “O SUS poderia ser o sistema de maior inclusão no mundo, não fossem as ocorrências como desvio de verba e corrupção”. Segundo ele, “a responsabilidade social do médico e do gestor não é o resgate do SUS, mas a implantação do sistema em sua totalidade, a fim de cumprir o que preconiza a Constituição: a saúde é dever do Estado e direito do cidadão”. Conforme Costa, “a população migra para a iniciativa privada diante da precarização da saúde pública, com terceirização e privatizações, mas os planos de saúde ajudam a precarizar também o atendimento não público, com baixos honorários que levam o médico a priorizar o volume de atendimentos, contaminando a relação com o paciente”. Ele defendeu a implantação da carreira de Estado para os médicos, proposta de emenda à constituição de autoria dos deputados Ronaldo Caiado e Eleuses Paiva.
* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM). * Os textos para esta seção devem ser enviados para o e-mail imprensa@portalmedico.org.br, acompanhados de uma foto em pose formal, breve currículo do autor com seus dados de contato. Os artigos devem conter de 3000 a 5000 caracteres com espaço e título com, no máximo, 60. |