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Escrito por Luiz Ovando*


Não é novidade para ninguém que o médico vive momento crítico no campo profissional e econômico. São 176 escolas médicas no país formando mais de 17.000 médicos por ano, o que reduz a relação médico/população para menos de 1/500 habitantes. O preconizado pela OMS é de 1/1000. Essa relação ultraja o princípio da dignidade profissional. O salário médico para 20 horas semanais num dos postos de saúde é de R$ 1.600,00 por mês, sem plano de cargo, carreira e salário (PCCS). Tem muita gente na fila esperando vaga para trabalhar.

Em direção à Medicina mais diferenciada, o especialista recebe R$ 10,00 por consulta, o obstetra R$ 236,00 por parto normal e o pediatra R$ 27,60 por assistência ao recém nato. Com essa remuneração não se chega a lugar algum em termos de qualidade assistencial ou mesmo de qualificação profissional. Quem vai gastar dinheiro e tempo para se qualificar para ganhar cada vez menos? A resposta é essa mesmo, ninguém. A lógica dos gestores é a da oferta e procura. Tem muito médico, a lista de espera é grande, portanto o suprimento está garantido sem precisar aumentar salário ou instituir PCCS. É lógica perversa e conspira contra o futuro de uma profissão fundamental e do bem estar da população.

Recentemente, foi desencadeado na Santa Casa de Campo Grande um movimento para se alinhar o pagamento do SUS com o do Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). Trata-se de referência de honorários aceita pelas entidades médicas representativas da classe (AMB,CFM e FENAM) e adotada pelos prestadores de serviços médicos com exceção do SUS. O princípio do movimento foi negociar com a SESAU, suspendendo as cirurgias eletivas. O secretário esbravejou, ficou zangado e disse que reajuste de tabela não lhe compete. É verdade. Isso compete ao governo federal, que deve formular, normatizar e financiar a política nacional de saúde. Só que o secretário se esqueceu que o município é hoje judicialmente estabelecido como um dos administradores da Santa Casa e assume esse papel designando o seu representante no DIOGRANDE de 10/02/09, e ainda constitucionalmente (Art 198, parágrafo 1º, inciso III e Art 156) cabe ao município destinar 15% da receita tributária de R$ 247.638.000,00 que consta do orçamento de 2008 aprovado pela Câmara Municipal para a saúde. Essa porcentagem perfaz R$ 37.145.700,00, que deveriam ser aplicados na saúde em Campo Grande, e aqui, através desse recurso, possa ser melhorada a remuneração médica. Seria interessante que o município mostrasse onde está sendo gasto esse dinheiro na saúde.

As cirurgias eletivas estão suspensas. O secretário diz não negociar enquanto persistir o movimento. A Santa Casa, que virou hospital de urgência após a intervenção, agora torna-se progressivamente dependente da SESAU. A maioria dos 10 programas de Residência Médica está prejudicada. A deterioração logística do hospital agora se estende à formação técnica e de qualidade dos médicos residentes porque muitas de suas habilidades são adquiridas nas cirurgias e procedimentos eletivos. A iniciativa de melhorar o ganho médico foi boa e louvável, mas a estratégia se constituiu num verdadeiro tiro no pé diante das circunstâncias jurídico-administrativas vividas pela Santa Casa no atual momento político.

* É cardiologista e professor universitário.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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