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Conselho Federal de Medicina

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Escrito por Raimundo dos Santos Lopes*

Desde minha formatura, em 09 de dezembro de 1969, me preocupo com a dúvida acerca do símbolo de minha profissão, principalmente na última década, quando então houve uma verdadeira avalanche de confusão a respeito da simbologia médica. Por ocasião do encontro dos Conselhos Regionais, em 1999, ocorrido na sede do CFM em Brasília, presidido à época pelo meu contemporâneo e conterrâneo Waldir Mesquita, perguntei-lhe reservadamente o que nosso Conselho Federal poderia fazer para consertar tamanha confusão. Como resposta, entendeu o assunto abordado como importante, mas que não via uma solução em curto prazo, porque o elemento mídia (internacionalmente) é o vetor da difusão equivocada, inclusive por alguns interesses. Inobstante, comprometeu-se, naquela oportunidade, com a causa. Com menos de um mês daquela conversa, recebi uma carta em cujo anexo constava um trabalho sobre o assunto. Ainda que superficial, era um alento. Passaram-se os anos e muitas pesquisas depois, inclusive com a inestimável ajuda da internet, pouco há de mais profundo sobre o assunto.

Os dicionários nos informam que símbolo -“é tudo aquilo que, por um principio de analogia, representa ou substitue alguma coisa; aquilo que por sua forma e natureza, evoca, representa ou substitue alguma coisa num determinado contexto, algo abstrato ou ausente”. A balança é o símbolo da Justiça; o Sol, da vida ; a cruz, do cristianismo. Todo símbolo tem um significado.

O editor da respeitada revista The New England Journal of Medicine, Arnold S. Relman, em seu editorial comemorativo à edição 300 da revista, refere-se ao seu símbolo da medicina, o bastão de Esculápio cruzado com uma pena, como the crossed quill and caduceusseal. Uma quantidade de cartas de médicos americanos e até mesmo de outros países chegou a redação para reclamar da confusão feita com o bastão de Esculápio e o caduceu de Mercúrio.

A confusão entre o bastão de Esculápio e o caduceu de Mercúrio é antiga e existe desde o Renascimento. O bastão de Esculápio com uma serpente enrolada sempre foi o símbolo da atividade médica. A American Medical Association, em 1919 e a World Medical Association, em 1956, o adotaram como seus símbolos. O caduceu é mais antigo que o bastão de Esculápio e sempre esteve relacionado ao comércio. De onde surgiu esta confusão entre os dois símbolos?

Vamos então rememorar um pouco a mitologia grega: Mercúrio era filho de Júpiter e de Maia. Os gregos o chamavam de Hermes, que significa intérprete ou mensageiro. Logo após seu nascimento, revelou extraordinária inteligência. Conseguiu sair do berço e foi para Tessália onde roubou parte dos rebanhos guardados por Apolo e, após esconder o gado numa caverna, voltou para o berço como se nada tivesse acontecido. Quando Apolo descobriu o roubo, conduziu Mercúrio diante de Júpiter que o obrigou a devolver os animais. No entanto, Apolo, encantado com o som da lira que Mercúrio tinha inventado, a partir de um casco de tartaruga, deu-lhe em troca, o gado e o caduceu. Júpiter, surpreso com a vivacidade e inteligência do filho, fez dele seu mensageiro e o colocou a serviço de Plutão, deus das profundezas subterrâneas, os infernos, de onde reinava sobre os mortos. Uma das tarefas de Mercúrio era conduzir os mortos ao reino de Plutão. Esta é a origem do costume de, na Antigüidade, os homens que procuravam os feridos e os mortos nos campos de batalha levarem o caduceu, semelhante à bandeira branca ou à bandeira da cruz vermelha, nos conflitos mais recentes. Surgiu daí o fato de ser o caduceu o símbolo de serviços de saúde de algumas forças armadas mundiais, inclusive a dos Estados Unidos.

O caduceu era, originalmente, uma haste de ouro com asas em sua extremidade superior. Segundo ainda a mitologia, Mercúrio lançou-o entre duas serpentes que lutavam e estas se entrelaçaram na haste em uma atitude amistosa. Daí o seu aspecto conhecido. Por ser Mercúrio, também, deus dos negociantes, o caduceu tornou-se o símbolo do comércio.

A lenda sobre Asklépios ou Esculápio, que data de cerca de 700 anos AC., foi relatada por Hesíodo.

Esculápio, nome latino de Asklépios, em grego, era filho de Apolo e Côronis. Nasceu em Epidauro, no Peloponeso, de onde seu culto se disseminou. Conta a mitologia que Diana, irmã e uma das esposas de Apolo, numa crise de ciúmes, matou a mortal Côronis, grávida de Apolo. Estando Côronis já na pira funerária, Apolo arrancou-lhe do ventre o filho Esculápio, entregando-o ao centauro Quiron para ensinar-lhe a arte de curar. O menino aprendeu depressa e logo ultrapassou o mestre. Tornou-se tão hábil na arte de curar que até ressuscitava os mortos. Plutão, temeroso de que com esse dom, pudesse Esculápio diminuir as almas que chegavam ao seu reino, queixou-se a Júpiter que, como castigo, o eliminou com um raio . Em outra versão, Esculápio foi morto pelas flechas de seu próprio pai, o que fez as flechas de Apolo tornarem-se o símbolo da morte súbita na medicina grega. Numa de suas visitas a pacientes em seu templo, uma serpente enrolou-se em seu cajado. Apesar do esforço para retirá-la, a serpente tornava a enrolar-se no cajado onde permaneceu. Esculápio tornou-se o deus da medicina e seu cajado com uma serpente enrolada, o símbolo da atividade médica.

Então de onde vem a confusão entre os símbolos de atividades e profissões diferentes?

A primeira causa é a serpente que, desde o tempo dos babilônios, esteve relacionada com a cura e, portanto, com a atividade médica. Na lenda do príncipe Gilgamés transmitida pela escrita cuneiforme, a serpente, após comer a erva da vida, despiu-se de sua pele envelhecida e se rejuvenesceu. Tornou-se o símbolo de vários deuses da cura nas culturas antigas.

A Bíblia, no Quarto Livro de Moisés (números), 21:8, também se refere à serpente, relacionando-a com a cura: “Então”, disse o Senhor a Moisés: “Faze uma serpente abrasadora, põe-na sobre uma haste; e será que todo o mordido que a mirar, viverá”.

Outro motivo é que o caduceu pertencia a Apolo que o deu a Mercúrio em troca da lira. Apolo é também considerado como deus da medicina pelos gregos e considerado o inventor da arte de curar. O juramento de Hipócrates inicia com o juramento em nome de Apolo, “juro por Apolo, médico, Asklépios, Hegéia e Panacéia…”

O fato de ser usado nos campos de batalhas na procura de feridos e mortos também o confunde com a atividade médica.

Outro fato importante é a associação do caduceu à alquimia na idade média, daí a sua ligação aos medicamentos e a medicina.

Provavelmente, o motivo principal da confusão nos tempos atuais foi a publicação das obras de Hipócrates em grego pelo tipógrafo suíço Johannes Froben em 1538. O caduceu era o símbolo de sua tipografia e como tal, foi estampado na página frontal do livro.

Símbolos significam a representação de alguma coisa ou de alguma atividade e podem, em determinado período, perder a sintonia com aquilo que ele representa. O famoso artista gráfico americano, Paul Rand, nos fala muito bem sobre isto:

“Há bons símbolos, como a cruz.

Há outros como a suástica.

Seus significados são tomados de uma realidade.

Símbolos são uma dualidade.

Eles tomam significado das causas… boas ou más”.

As mudanças que a realidade econômica tem imposto à atividade médica com a comercialização exagerada da profissão “O trabalho médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa” (art.10 do CEM); com planos de saúde impondo normas à nossa atividade e muitos desses planos usando corretamente o caduceu do comércio, como símbolo, mas algumas vezes fazendo com que este seja confundido com o símbolo da medicina, uma reflexão sobre o nosso verdadeiro símbolo e o seu significado se impõe. É pouco provável que seu uso incorreto possa induzir mudanças no comportamento médico. Em seu artigo “O símbolo da medicina: tradição e heresia” o Prof. Joffre Marcondes de Rezende escreve: “com a intermediação dos serviços médicos por empresas de fins lucrativos, a medicina tornou-se objeto de comércio por parte de terceiros. O médico passou a ser apenas um prestador de serviços e o paciente um consumidor, ambos sujeitos a normas contratuais previamente estabelecidas. Neste sentido, estaria justificado o uso por essas empresas do caduceu de Hermes, símbolo do comércio”. Por outro lado, não devemos esquecer que a nossa atividade surgiu com o homem, com o primeiro sinal de sofrimento e com o primeiro desejo de aliviá-lo e outro não deveria ser seu objetivo primordial. Isto não tem nada em comum com o comércio.

O bastão de Esculápio e o que ele significa é e deve continuar sendo o verdadeiro símbolo da medicina.

Asklépios (Asclépio), deus da medicina, deve ter “vivido” na cidade grega de Epidauro, em torno do século XIII AC e, após a sua morte, teria se transformado na constelação serpentária.

Morando no Tholos (espécie de templo), este herói-deus costumava apresentar-se portando uma serpente enrolada em um bastão. Decorrente disto, em torno do século XVI DC, a figura de uma serpente enrolada em um bastão foi adotada como o Símbolo da Medicina.

Ocorre, no entanto, que o deus grego Hermes, mensageiro dos deuses, possuía como insígnia duas serpentes enroladas em um bastão. Esta foi também a Insígnia dos arautos e Parlamentários antigos. Posteriormente, a insígnia de duas serpentes enroladas em um bastão foi adotada como o Símbolo do Comércio.

A confusão entre os dois Símbolos, respectivamente, com uma e duas serpentes, foi inevitável e permanece até hoje. O próprio Dicionário Aurélio confunde o Caduceu, Símbolo do Comércio (um bastão e duas serpentes), com o Símbolo da Medicina (um bastão e uma serpente). Tal equívoco pode ser encontrado também em artigos especializados.

O significado dos componentes do Símbolo da Medicina, é um tanto confuso para o entendimento da nossa época: a) o bastão é interpretado como Árvore da Vida e Reinado do Espírito sobre o Corpo; b) a serpente tem o sentido de: Renovação (pela troca de pele), Adivinhação (segundo a antiga crença) e Morte ou Remédio (após atenuado o veneno).

Pela sua origem mística remota, torna-se fácil de compreender porque poucos médicos conhecem o significado do Símbolo da sua profissão. Tal mistério, no entanto, torna-o cada vez mais admirado. É preciso, porém, que o médico utilize o Símbolo da Medicina “correto”: aquele que possue um bastão e apenas uma serpente. No caso de existirem duas serpentes no bastão, trata-se do Símbolo do Comércio e a Medicina não pode ser confundida nem exercida como comércio

“A medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio” (art. 9º do CEM)

 

* É corregedor do CRM-AP.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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