Escrito por Galeno Alvarenga*
Nosso juízo moral é dominado por duas ilusões: 1ª) Acreditamos que nosso julgamento moral é ativado pela razão. Isso não é verdade. 2ª) Esperamos, através das discussões intuitivas, alterar o modo de pensar do opositor. Isso não acontece.
Segundo o modelo intuitivo (não-racional) o indivíduo ao ouvir, por exemplo, o relato de um estupro, é dominado rápido e automaticamente por uma emoção desagradável. O mal-estar corporal interno, uma vez percebido, produzirá uma avaliação negativa do fato. Apoiado no desconforto interno, a pessoa capta intuitivamente, sem usar a lógica ou razão, que o estupro é um ato condenável. Algumas vezes – nem sempre – após a explosão intuitiva a pessoa procura tornar inteligível o problema, explicando-o verbalmente.
Nosso cérebro, construtor de modelos avaliadores e explicativos, só recentemente começou a ser bem estudado O homem sempre procurou interpretar o meio ambiente e seu organismo. Durante séculos, as interpretações mágico/religiosas dominaram as explanações. Mais tarde nasceram as ideologias e, também, as ciências. Mas a conduta moral, sendo um julgamento de valor (princípios ou normas idealizados), não permite ser verificada através de testes empíricos, apenas pelas reflexões filosóficas. De qualquer forma, o roteiro sagrado e não-sagrado tem servido de sustentação para captar, selecionar, organizar e explicar as informações complexas ou simples do meio ambiente.
Cinco funções têm sido descritas como sendo as mais importantes para selecionar e interpretar o observado: sensorial (sensação); dois tipos de cognições, um formal e outro mítico ou sobrenatural; sentimento (emoção) e intuição (conhecimento obtido sem o uso da razão). Ninguém usa somente um desses cinco modos de focalizar o evento, mas cada pessoa tende a empregar mais uma função que outra (sensorial, cognitiva, emotiva e intuitiva.). O fato focalizado, por si só, pode ativar o uso de uma função. No velório posso ser impelido a usar o processo sobrenatural, ou se tenho dor de barriga, focalizo o sensorial e, também, o pensamento intuitivo sobre a causa: o possível pastel comido no boteco.
O cérebro do homem, muito cedo, é marcado por noções intuitivas simples. Dada a potência do nosso B-A-BA inicial (pré-saber), este aprendizado nunca mais nos abandona. O homem inculto, desprovido de saberes complexos, percebe, entende e explica os eventos através das noções adquiridas cedo (pré-saberes), geralmente inadequadas. Muitas vezes, um mito, uma metáfora ou comparação serve de base para exibir o entendimento (“Pedro é um cavalo. Só fala abobrinhas.”). Este é instrumento limitado para descrever uma conduta.
Alguns adquirirem um saber, mas a complexidade desse saber pode sofrer danos ocasionais. O pré-saber primitivo pode invadir e dominar, com sua simplicidade, o saber complexo. Isto ocorre quando a pessoa está fatigada, apressada ou com a “cabeça quente”, por exemplo, dominada por paixões: sexuais, políticas, etc. Resumindo: nosso julgamento final é uma “salada” contendo intuições/emocionais, pré-saberes e, às vezes, saberes mais profundos e amplos, capazes de criticar e dominar os pré-saberes inocentes e primitivos.
* É médico e doutor em Filosofia.
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