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Escrito por Antonio Carlos Lopes*


Há dias o Estado noticiou que o Ministério da Saúde planeja implantar «um novo perfil para a medicina», por intermédio de sua Secretaria de Gestão do Trabalho da Educação na Saúde. A proposta está centrada no curso de graduação em medicina.

Por conhecermos a filosofia ideológica desta Secretaria, somos obrigados a trazer a público a realidade dos fatos. O objetivo é formar médicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), e desde já salientamos a contramão da realidade em que se encontra este projeto.

Contestamos tal posicionamento, pois a prioridade deve ser a formação de médicos competentes, éticos, prontos para trabalhar no SUS e também nos diversos locais que o mercado oferece. O paciente do SUS também merece um médico qualificado, por isso, a formação deve ser de excelência.

A proposta do Ministério da Saúde mostra desconhecimento sobre o ensino médico e o exercício profissional, afronta princípios do ensino preconizados por quem exerce a medicina e busca a excelência acadêmica e a competência profissional.

O correto e bom ensino médico é complexo. Envolve currículo humanista, modelo pedagógico, estrutura acadêmico-administrativa, metodologia de ensino e de avaliação e recursos humanos e materiais condizentes. É necessário ainda que haja quem ensine, pois a medicina é uma profissão em que só se aprende ao lado de quem sabe, assim como é fundamental o ambiente em que se dá o aprendizado.

Esse fato, com a grande expansão do ensino médico na última década, pode ser um complicador, pois não há docentes qualificados para todas as escolas recém-criadas, e a maioria não possui condições minimamente adequadas.

Como sabemos, um grande número dos postos de saúde apresenta condições precárias de atendimento e não tem estrutura para o ensino da medicina. As filas são enormes; as condições de higiene, precárias; o atendimento ao paciente dura menos de dez minutos; pessoas morrem em filas de espera; as doenças não são tratadas, mas sim os sintomas; e os resultados dos exames só chegam quando a situação clínica do paciente já é totalmente diferente da inicial.

É, portanto, claro que este não é um ambiente adequado para o ensino da medicina. Porém é evidente que os alunos da graduação devem ter no seu currículo o estágio no SUS, até mesmo para aprender o que não se deve fazer, mas isso nunca pode ser prioridade.

Se o escopo do Ministério da Saúde é propor mudanças no ensino da medicina, o que não é da sua alçada, com o objetivo de garantir mão-de-obra barata, não conseguirá. Se pretende sensibilizar o aluno a se compromissar com o SUS, certamente o amedrontará. Inclusive corremos o risco de a decepção o levar a abandonar o curso médico, tão desejado dentro de seu idealismo louvável.

Se tal proposta fosse boa, não deveria envolver repasse de verbas, uma vez que as instituições, que possuem a massa pensante, já estariam centrando o ensino na rede pública de saúde. Que não se confunda ensino da medicina com mercadoria que pode ser «comprada».

Entendemos ser o SUS o melhor sistema de saúde já idealizado e lutamos por sua valorização, mas somos testemunhas dos problemas que o tornam inviável para a transmissão de conhecimento e a formação médica.

Concordamos que o ensino deva ser baseado na comunidade, e não apenas como ocorre em algumas instituições, em que está centrado em casos ditos «interessantes», pois todos o são, e o que ocorre são médicos desinteressados, cujo desinteresse possui explicações que escapam ao escopo deste artigo.

Para agravar a situação, a Secretaria de Gestão do Trabalho da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, tenta transformar a residência médica em política de saúde, quando é política de educação. É a educação a serviço da saúde e, por isso, está alocada no MEC.

Além de a Secretaria tentar interferir no ensino da graduação, quer usar o residente para solucionar os problemas de saúde do País, por ser mão-de-obra barata, comprometendo o aprendizado em serviço que caracteriza a residência, que não tem como objetivo sanar as dificuldades da graduação, mas o faz uma vez ser esta totalmente deficiente.

A referida Secretaria lamenta ser a residência médica puramente curativa, propondo um perfil mais preventivo. Porém o atendimento médico só poderá ser preventivo, como todos queremos, quando as doenças e o sofrimento das pessoas estiverem sob controle e os pacientes tiverem atendimento médico digno que priorize a relação médico-paciente e o humanismo.

Infelizmente, os que defendem arduamente a medicina preventiva têm demonstrado incompetência no controle da dengue, da febre amarela e de outras doenças prevalentes. Também por falta de conhecimento não sabem que a medicina curativa está compromissada e vinculada à medicina preventiva, porém em níveis secundário e terciário.

Respeitamos a opinião do Ministério da Saúde por garantia ao Estado Democrático de Direito. Contudo, a desqualificamos com base no exposto. Esperamos que o ministro da Educação, Fernando Haddad, que tem lutado pela busca da excelência na educação, trabalhando com seriedade e propostas louváveis, interfira imediatamente nessa questão.

Dentro de uma intelectualidade delirante, talvez tenham concluído que a medicina de Cuba seja a solução para o Brasil, advogando para o atendimento médico bacharéis em medicina que não conhecem as características do SUS e da medicina brasileira, com formação (se é que ela existe) fundamentalmente sanitarista.

Talvez, a curto prazo, a busca desse novo perfil para a medicina leve nossos estudantes a ter como professores tais bacharéis cubanos, que nem revalidaram seus diplomas, pondo em risco o ensino e a graduação.


* É professor titular da disciplina de Clínica Médica da Unifesp (EPM), presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) e ex-secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (MEC).


* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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