Escrito por Juberty Antônio de Souza.*
Recentemente um assunto vem ganhando destaque nas preocupações dos médicos e cuja resposta não é tão simples como alguns pensam. Senão vejamos,o que fazer quando um médico fica doente? Será que ele tem a compreensão dos seus colegas de profissão? Será que ele se preparou para esta contingência? Como é que fica a sua sobrevivência? E a sobrevivência de seus familiares? E quando a doença que o afasta do trabalho for uma doença psiquiátrica? Será que o preconceito existente contra os doentes mentais, ainda presente entre os médicos também se aplica quando um médico adoece mentalmente? Se este preconceito existe, como é que o médico faz para se tratar?
Para conhecer a realidade da profissão médica, e dos médicos, o Conselho Federal de Medicina promoveu, no ano de 2005, uma pesquisa de alcance nacional, buscando as informações em nível nacional e regional.
Mas quem é este médico que estamos abordando? Será que a realidade e as características são iguais? Algumas considerações devem ser feitas. A primeira delas é que o médico é oriundo de uma população, de uma cultura nacional e com toques regionais. Desta forma, este médico traz consigo as mesmas características desta população com as suas crenças, com as mesmas preocupações e, também, apresentando as mesmas doenças. No Brasil, este trabalho contabilizou um total de 253.554 médicos, sendo 70% do sexo masculino, com 22% tendo mais de 50 anos de idade. Desta população, 30% tem mais de quatro atividades ou locais de trabalho e, ainda, mais de 20% trabalham em mais de duas cidades.
Considerando os rendimentos, 11% têm outras atividades que não a medicina, 12% percebem rendimentos de até 2.100,00 reais; 51,5% ganham até R$ 4.500,00 e apenas 1.2% auferem rendimentos acima de R$ 14.000,00. De longe percebe-se que a profissão deixou de ter glamour e a “aura” de algumas décadas atrás. Hoje tem que disputar o trabalho com o ressentimento, com a propaganda contra e com todas as vicissitudes. E quando adoece? A cada ano 21% desta população necessitará de ajuda psiquiátrica; 12% apresentarão algum quadro de ansiedade e de depressão; 6% terão problemas com álcool e drogas ilícitas e 3% apresentarão doenças graves. Estas proporções são semelhantes às taxas da população comum, mas parecem muito aumentadas pelo fato de estarmos falando de médicos que, no imaginário popular, não podem, não devem e não ficam doentes.
Nesta situação ocorre um paradoxo: os médicos têm maior quantidade de informações, portanto teriam maiores condições de prevenção, deveriam ficar menos doentes, seguir o tratamento de forma mais adequada.
Entretanto, o que se verifica é que os médicos apresentam maior vulnerabilidade, procuram menos ajuda, apresentam maior número de abandonos ao tratamento e ainda apresentam maior número de complicações.
Por que isto acontece? Por que o médico não procura logo a ajuda que necessita? As respostas são muitas e conhecidas: por não reconhecer as suas necessidades, não se aceitar como doente, ter vergonha e orgulho para pedir ajuda, tem medo de que a sua imagem seja prejudicada, não aceita as suas limitações, tem receio de não ser compreendido e então ser maltratado pelos seus pares e, principalmente, o hábito de se medicar. Mas o que leva a isto tudo? Também as respostas são conhecidas, mas de difícil resolução num país que elegeu recentemente o médico como culpado de tudo, o “bode expiatório”, a “bola da vez”. Assim, os salários irrisórios levando à necessidade de vários empregos em cidades diferentes, sem planos assistenciais, alvo permanente de vigilância, vulnerabilidade na mídia na qual divide espaço com crimes, trabalhando sem condições principalmente em órgãos públicos, evidenciando assim o pouco caso histórico das nossas autoridades federais e considerando o responsável pelo caos da saúde no País.
È conhecimento do dia-a-dia que quando a saúde do País vai bem o sucesso é creditado ao sistema, mas… se há o fracasso é culpa do médico.
Alexandrina Meleiro em trabalho no INCOR/SP encontrou que dentre os médicos lá, 60,4% apresentavam depressão enquanto que 33,4% apresentavam alcoolismo confirmando o que já se pensava da vulnerabilidade dos médicos frente às doenças psiquiátricas.
Também é de longo tempo conhecido que entre as especialidades as mais vulneráveis são a psiquiatria, a anestesiologia, a medicina intensiva e a cirurgia, sendo que raramente estas pessoas chegavam ao tratamento e no nosso Estado não é diferente.
Por isso e seguindo a idéia do Conselho Federal de Medicina, o Conselho Regional de Mato Grosso do Sul iniciou os estudos e está em fase de implantação do Projeto de Saúde do Médico, iniciando pela saúde mental. Esta escolha se deu pela alta prevalência das doenças mentais entre os médicos da região, pela verificação de que grande parte das vezes os médicos não tinham como pagar o seu tratamento, sem ter como sobreviver sem o trabalho e sem ter ainda como retomar as suas atividades.
No ano de 2006 em nosso Estado tivemos 18 médicos internados por doenças mentais com diagnósticos de transtorno afetivo bipolar, depressão, alcoolismo e dependência química. Vários deles não apresentavam nenhum plano de saúde. Este número é dos que tiveram tratamento, mas é conhecido o fato de que em Campo Grande há pelo menos a mesma quantidade de médicos que necessitam de tratamento. O acesso ao tratamento (ambulatorial ou em regime de internação) é possível através da procura espontânea, do encaminhamento pelos familiares e colegas ou ainda pelo próprio CRM-MS.
O CRM-MS, através do conselheiro Juberty Antônio de Souza, psiquiatra, terá a responsabilidade de providenciar o tratamento, pelo atendimento direto ou pela indicação de outro psiquiatra, que dará o tratamento necessário e de forma diferenciada para atender ao médico e, ao mesmo tempo, salvaguardando a sua imagem.
Recentemente, o CRM-MS firmou um convênio com a Santa Casa de Campo Grande, que se comprometeu a disponibilizar acomodações diferenciadas para o atendimento dos médicos em tratamento. Ainda o CRM-MS está em negociação para que a UNIMED se responsabilize por gastos de tratamento em outros estabelecimentos, bem como a dos honorários médicos com os valores da cooperativa.
Em contrapartida, o médico em tratamento assinará um termo de compromisso de que se submeterá ao tratamento e quando o médico em função de sua doença não tiver condições de fazê-lo um familiar deverá se responsabilizar.
Ainda caberá ao CRM-MS garantir condições éticas no tratamento, tanto para quem está sendo tratado como para o médico assistente, que terá garantido todos os direitos e condições éticas para o seu trabalho.
O médico assistente deverá envidar todos os esforços para o tratamento do médico paciente e obrigatoriamente informar ao CRM-MS do abandono do tratamento, mas sem abrir mão do sigilo médico, garantindo desta forma as condições para a criação do vínculo desejado na relação médico-paciente.
Com esta iniciativa, o CRM-MS reconhece e deseja que seja o reconhecimento de todos os médicos do Estado de que: o médico é uma pessoa e como tal deve ser tratado, o médico como paciente deve assim ser tratado, respeitado e reconhecido os seus direitos de cidadão, como o tratamento em boas condições técnicas, éticas e de sigilo.
* É presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Mato Grosso do Sul (CRM-MS).
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