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Conselho Federal de Medicina

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Escrito por Jecé Freitas Brandão*

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

Art. 46 – É vedado ao médico: “Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu representante legal, salvo em iminente perigo de vida”.

Art. 59 – É vedado ao médico: “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu representante legal”.

A Medicina Científica Ocidental desde seus primórdios, na Grécia antiga, até meados do século XX, era exercida sob a ética das virtudes preconizadas pela escola hipocrática, que se pauta na velha tradição do paternalismo clínico, na qual o paciente não decide nada, obedece ao médico, com a convicção de que este, autoridade, procura, segundo o seu critério técnico, o seu bem.

Dois aspectos históricos tornaram-se intensamente relevantes ao longo do século XX, vindo a determinar o fim da relação médico-paciente paternalista. De um lado, verificou-se o avanço inusitado da cultura dos direitos humanos. De outro, o vertiginoso desenvolvimento tecnológico da medicina clínica. Esta, que até então era contemplativa, pouco útil e relativamente inócua, tornou-se intervencionista, resolutiva, mas potencialmente perigosa, surgindo, assim, as seqüelas das iatrogênias, objeto hoje de grandes preocupações dentro e fora da profissão médica.

Os artigos 46 e 59 do Código de Ética Médica, ora em destaque, determinam que todos nós, médicos brasileiros, estamos impedidos de executar procedimentos diagnósticos ou terapêuticos sem o devido e adequado esclarecimento ao paciente, com finalidade de obter seu livre consentimento, salvo, é claro, se estiver em iminente perigo de vida.

Preceituam, também, que todo paciente em idade adulta e com capacidade mental normal tem o direito de determinar o que será feito no seu próprio corpo, de proteger a inviolabilidade de sua pessoa, podendo escolher o tipo de tratamento entre aqueles disponíveis. É o direito à autodeterminação e o exercício da autonomia.

O Consentimento Informado (CI) é a autorização do paciente obtida pelo profissional para a realização de procedimento médico de indiscutível necessidade. É condição indispensável da relação médico-paciente contemporânea. Trata-se de uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após processo informativo, para aceitação de um tratamento específico consciente dos seus riscos, benefícios e possíveis conseqüências.

Há nos meios acadêmicos, da ética profissional e jurídica, acirrada discussão sobre quando formalizar o CI a termo (documento escrito, acordado e assinado entre médico e paciente) ou em que situações faz-se necessário obtê-lo de forma verbal, mas grafado resumidamente no prontuário médico.

À luz do judiciário, há o entendimento francamente majoritário de que o CI deva ser escrito. Sobre isso nos ensina o desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia e professor de Direito Paulo Furtado: “Em Direito, costuma-se dizer que os autos são o mundo do juiz. O que não está nos autos não está no mundo. Dentro deste contexto, imprescindível a comprovação do consentimento e a prova da informação”.

Nesta mesma linha, o jurista Miguel Kfouri Neto afirma: “O CI insere-se no âmbito dos direitos humanos fundamentais. Deverá ser documentado e registrado, sob pena de o profissional ver-se impossibilitado de provar a efetiva obtenção do assentimento do enfermo – fato que também poderá redundar em conseqüências gravosas, no âmbito da responsabilidade civil. Quanto mais complexo ou arriscado o ato, maiores cuidados deverão ser adotados, para se documentar a aquiescência do paciente”. E continua Miguel Kfouri Neto: “Aqui, de nada valerá ao profissional alegar a exigüidade do contato com o enfermo, nas “consultas relâmpago” patrocinadas pelo SUS. Com a saúde não se pode transigir. É dever imposto ao médico, por imperativo ético-moral, informar o paciente e dele obter adesão livre e espontânea à terapêutica recomendada”.

CONSELHOS – No âmbito do sistema conselhal brasileiro, território de normatização e julgamento do exercício da ética profissional, instância distinta e independente da justiça comum, há também o entendimento de que a informação ao paciente deva ser adequada, considerando-se o nível intelectual e cultural do paciente acerca do tratamento proposto, riscos, benefícios, tratamentos alternativos, custos, tempo provável de afastamento das atividades cotidianas. É indiscutível o direito do cidadão ter acesso às informações necessárias para que possa decidir soberanamente sobre seu corpo, sua saúde e seu destino. Ao sonegar do paciente estas informações, incorre o médico em negligência por omissão do dever de informação.

O que se discute, hoje, no âmbito da ética médica é quando elaborar o CI a termo (documento escrito, acerca das informações que foram apresentadas e esclarecidas com o paciente para posterior assinatura de ambos) ou quando apenas obtê-lo verbalmente. A Resolução CFM nº 10/96 decidiu que “o médico deve esclarecer o paciente sobre as práticas diagnósticas e terapêuticas, conforme preceitua o Código de Ética Médica, não sendo considerada obrigatória a fixação do termo escrito, mas admite que tal consentimento possa ser registrado pelo médico no prontuário”.

O Cremeb se pronuncia sobre o assunto no Parecer nº 86620/02, que diz: “O CI, para ser legal, deve descrever as práticas médicas indicadas, em linguagem clara, objetiva, acessível ao paciente, ou seu representante legal; não pode ser excludente de responsabilidade. O documento deve prever a sua renovação e revogação”.

Analisando inúmeros documentos do CFM e de Conselhos Regionais, sob o prisma da ética profissional, predomina o seguinte entendimento sobre o CI: que o paciente tenha recebido informação completa e adequada para o seu livre consentimento; referi-lo resumidamente no prontuário médico; de forma geral, o CI escrito, formal, fica limitado aos procedimentos invasivos e a situações extraordinárias como o internamento hospitalar. É desnecessário o CI escrito na prática clínica ordinária: consultas, prescrição de remédio usual, aplicação de uma injeção, exames físicos ou laboratoriais. Nestas circunstâncias, seria estabelecer uma burocracia paralisante à prática clínica.

Vale ressaltar que o CI escrito é obrigatório quando se tratar de pesquisas com seres humanos. Tal determinação encontra-se regulamentada na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Finalizando, tem-se que o CI obtido de forma correta legitima e fundamenta o ato médico. Mais do que isso, consolida a relação médico-paciente, tornando-a mais igualitária e cidadã. Ao reconhecer o paciente como ser autônomo, livre e merecedor de respeito, o médico estará criando um ambiente gerador de empatia, confiança e esperança, os quais constituem remédios mais potentes e indispensáveis à ciência médica.

* É médico gastroenterologista e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb).

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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