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Escrito por Elcio Luiz Bonamigo*

O termo doutor é um título ou forma de tratamento cuja utilização desperta dúvidas tanto nos meios sociais como acadêmicos. A origem do termo encontra-se na palavra latina doctor, que significa mestre ou professor, pertencente à família do verbo docere, cuja tradução é ensinar. Um doutor, considerando-se do ponto de vista estritamente etimológico da palavra, é aquele que ensina. O uso e o tempo acrescentaram outros significados para doutor que se somaram àquele original. Segundo os nossos atuais dicionários Aurélio, Houaiss e Michaelis, doutor, em suma, significa:

1º) aquele que cursou o doutorado; 2º) o médico; 3º) o advogado; 4º) o delegado de polícia; 5º) o juiz; 6º) uma pessoa considerada muito culta, importante; 7º) por cortesia, todo o indivíduo formado em curso superior; 8º) o portador do título “Doctor honoris causa”.

Aquele que cursou o grau acadêmico de doutorado é considerado doutor no sentido etimológico da palavra, ou seja, de um professor dedicado ao ensino. No entanto, já existem alguns destes doutores que preferem não compartilhar o título com outros, de menor grandeza, por lhes parecer um tanto desvirtuado. Isto é: preferem ser simplesmente mestres ou professores que doutores. Portugal, nosso país descobridor, resolveu parcialmente este problema denominando doutor, por extenso, àquele que possui o doutorado e dr., abreviado, aos demais mortais. Desta forma, pelo tamanho do doutor que precede o nome pode deduzir-se a importância do seu portador.

Diz a léxica nacional, bem como a internacional, que o termo doutor aplica-se especialmente aos advogados e médicos. Esta significação tem origem, quiçá, nas antigas universidades de Bolonha e Montpellier que tinham a tradição de conferir tais títulos especialmente a estas duas categorias. Conta-se que aqui mesmo no Brasil teria havido uma legislação similar a corroborar com esta observação.

A prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças, características tradicionais da Medicina, ajudaram a correlacionar este profissional com alguém que explica e, consequentemente, ensina, ou seja, com um doutor (doctor). Desta forma, o doutor médico passou a compartilhar do título atribuído tradicionalmente ao doutor professor.

Segundo os dicionários supracitados, juízes e delegados também são especificamente denominados doutores. No entanto, pessoas muito sábias ou importantes, mesmo não portadoras de título universitário ou doutorado, também são consideradas doutores perante a população, principalmente em países com maior desigualdade social como o Brasil.

Doutor também se aplica, por cortesia, a todos os demais formados em cursos superiores. Isto mesmo: a todos, por cortesia, segundo o dicionário Houaiss. Neste sentido, o título de doutor, afirma textualmente o gramático Celso Cunha, “Recebem-no não só os médicos e os que defenderam tese de doutoramento, mas, indiscriminadamente, todos os diplomados por escolas superiores”.

Algumas categorias profissionais não costumam utilizar o título doutor como forma de tratamento mútuo, tais como os contadores, entre outras. Em situação diferente está a Odontologia, antiga especialidade da Medicina que foi declarada profissão independente há três séculos pelo médico Pierre Fauchard, cujos profissionais são usual e naturalmente denominados doutores pela população, mesmo que isto não seja por eles exigido, mas curiosamente não está previsto de forma explícita nos três principais dicionários nacionais, e deveria estar. Em outra posição encontram-se os enfermeiros e fisioterapeutas os quais estimulam, através de Resoluções dos seus Conselhos Profissionais, o uso do título de doutor entre os seus membros por ser uma forma de tratamento gramaticalmente possível aos diplomados universitários. Os italianos, que inventaram tantas coisas boas, menos o macarrão que foi façanha dos laboriosos chineses, utilizam dottore para aqueles que fizeram doutorado e também para médicos e advogados, segundo afirmam os dicionários Garzanti e Zingarelli. Esta língua, que foi a primeira flor do Lácio, nascida e desenvolvida em berço toscano para reinar em toda a Itália por ser culta e bela, qualifica os seus cidadãos com sua respectiva profissão precedendo o nome. Trata-se de uma forma especial de tratamento, considerada elegante e respeitosa para distinguir os seus vários profissionais. No entanto, o médico é especialmente denominado dottore.

Existe também o título acadêmico “Doctor honoris causa”, que é conferido por uma universidade a alguém com méritos, como forma de homenagem, independente de submissão a cursos ou exames. Nesta categoria encontra-se o doutor Lula, excelentíssimo presidente do Brasil, primeiramente consagrado um doutor de fato pelo seu povo, através das eleições, e posteriormente tornado um doutor de direito por Universidades do Brasil e do exterior. Vamos omitir propositadamente a análise dos títulos “Doutor da Lei” e “Doutor da Igreja” por precederem esta nova safra doutoral que passou a ser cultivada somente a partir da alta idade média.

Os médicos, portanto, não estão sós nesta plêiade doutoral, mas constituem uma constelação de primeira grandeza, posicionada em local que não permite o ofuscamento por outras, também brilhantes, e nem pode confundir-se com as bruxuleantes. A duração e intensidade do seu brilho, porém, vai depender da própria organização interna, da renovação constante de seus conhecimentos e da luta incessante pelo reconhecimento da sua inquestionável e insubstituível importância perante e para a sociedade. Tudo isto sem prejuízo do brilho e da importância de outras categorias que terão todo o espaço possível para cintilar conjunta e sinergicamente. Para tanto, a categoria médica conta com muitos líderes de primeira grandeza que lutam incansavelmente pelo êxito da sua gigantesca missão. Ao seu lado somam-se aqueles que com as suas exemplares condutas, profissionais e sociais, espantam a apatia de alguns e robustecem as próprias bases para vencer honrosamente os crescentes e cada vez mais insistentes desafios. E todos juntos, sem declinarmos de nenhum ato, mas atuando sinergicamente, os doutores médicos continuaremos cumprindo as missões que nos foram especialmente confiadas há alguns milênios tanto pelo Deus como pelo Pai da Medicina, em nome e para o bem da própria humanidade.

* É conselheiro federal suplente.

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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