Escrito por Miguel Ortiz*

Na semana passada o deputado federal Henrique Afonso, acompanhado pelos deputados estaduais Thaumaturgo Lima e Luiz Gonzaga, estiveram na sede do Conselho Regional de Medicina do Acre, objetivando encontrar saídas para a falta de médicos dispostos a trabalhar nos municípios e para o conflito que dela decorre, já que com base nessa ausência, os gestores municipais estão contratando “médicos” sem habilitação para o exercício da Medicina no Brasil.

A delegação de parlamentares fez questão de ressaltar que o momento e a posição do CRM – que exige o afastamento desses “profissionais”-, estava criando caos no atendimento médico no Vale do Juruá e grave problema social. Admitiram, entretanto, que se trata de um problema antigo. O assunto teve repercussão na imprensa local, onde houve críticas ao Conselho de Medicina por tentar sobrepor a letra fria da lei ao “grave problema social” que seria o afastamento dos tais “médicos”.

Em realidade, não se trata de “problema social”, senão de “irresponsabilidade social” dos diversos administradores públicos que gerenciaram aquele município e, principalmente dos demais gestores que ao longo dos anos organizaram o sistema de saúde, com propostas demagógicas e populistas, querendo sempre “baratear” os custos do atendimento médico dado aos pacientes, mesmo que isso implique em ilegalidade, falta de qualidade e de segurança, principalmente.

O SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Criado pela Constituição Federal de 1988 para garantir aos brasileiros e aos estrangeiros residentes neste país, acesso UNIVERSAL E IGUALITÁRIO a serviços de saúde INTEGRAIS, considerados como de RELEVÂNCIA PÚBLICA, pelo qual compete ao Poder Público sua regulamentação, fiscalização e controle (CF – arts. 5º, 196 e 197) O SUS, também constitucionalmente, foi definido como UMA REDE REGIONALIZADA E HIERARQUIZADA, mas SEMPRE, SISTEMA ÚNICO que apesar de ser descentralizado, devia ter uma única direção em cada esfera de governo. (CF – art. 198). Acontece que esses princípios foram desvirtuados.

A União se apropriou dos recursos e das decisões para impor aos Estados e Municípios encargos que essas “esferas de governo” não tinham capacidade técnica e nem financeira para suportar. Até uns tempos atrás, Estados e Municípios “financiavam” o SUS. Tinham que montar as suas estruturas de atendimento, com recursos materiais e humanos próprios para só receber pelos serviços prestados, valores vis e com mais de três meses de atraso. Esse mecanismo de financiamento, se lembrar o espectro inflacionário que vigorava naquela época, era criminoso e penalizava demais. Hoje a União repassa recursos aos Estados e Municípios calculados sobre a base do quantitativo populacional da “esfera” de governo.

No caso específico dos municípios, o repasse anual por habitante é de monumentais R$. 13,00 (treze reais por habitante, ou seja, UM REAL e OITO CENTAVOS por MÊS!!! Com essa “fortuna” exige-se dos municípios que montem equipes de saúde integradas por médicos, dentistas, enfermeiras, técnicos outros, ademais de adquirir medicamentos, ambulâncias, e meios de transporte, montar unidades de saúde, equipa-las, estabelecer sistemas de informação, controle e avaliação e tudo o demais necessário para oferecer à população assistência primária de saúde. Por definição legal, as unidades de saúde dos municípios são “as portas de entrada” do paciente ao SUS. Acontece que isso é apenas em tese, já que o sistema de referência e contra-referência também não funciona.

Um paciente que acometido de alguma doença ingressa ao Sistema por uma das unidades municipais, se não tiver auxílio de parentes, políticos ou de autoridades outras, jamais vai conseguir “vaga” em uma unidade de nível secundário, normalmente um Hospital, para ter seguimento em seu tratamento. Pior ainda se o agravo exige maior complexidade. Nesse caso o cacife tem que ser elevado, de deputado federal para cima.

As inúmeras denúncias com relação ao famigerado TFD estão aí como provas patentes. Tal anomalia acontece porque cada “esfera de governo” trabalha por si e para si. Ao contrário do previsto pela Lei 8.080, que regulamentou o disposto na Constituição, não há integração e nem trabalhos ou procedimentos conjuntos. Os mecanismos de pactuação que foram criados posteriormente – Comissões Tri e Bipartite, somente servem para homologar decisões executivas superiores. O poder de negociação dos municípios é muito reduzido já que quase sempre, os seus integrantes são escolhidos entre gestores “alinhados” com o Governo estadual ou da União.

Por sua vez, os Conselhos de Saúde, tampouco cumprem seu papel de fiscalizadores e definidores de políticas de saúde. Foram transformados em órgãos burocráticos que somente se reúnem para homologar o que o Executivo quer fazer.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE Passando por cima de princípios e diretrizes fixadas pela Lei 8.080, o Ministério da Saúde elaborou uma série de “programas” de saúde vendidos à população como panacéias para resolver diversas doenças, segundo contam, “prevenindo-as”. Elaboraram Manuais e Cartilhas, onde dão “receitas de bolo” para tratar enfermidades, como se todos os seres humanos fossem iguais em termos de resposta ao uso de medicamentos ou ao efeito da própria doença. O Ministério da Saúde trata de doenças, quando devia tratar era de doentes. Em verdade a burocracia ministerial não está querendo resolver o problema da saúde, senão “baratear o custo do atendimento”. Buscam resultados quantitativos e não de qualidade e por isso estimulam e divulgam que qualquer um dos integrantes da equipe de saúde pode e deve “tratar” pacientes já que, segundo afirmam, resultariam qualificados para tanto com o estudo do Manual ou Cartilha que receberam.

Por certo que quando adoecem (ou algum de seus familiares), jamais se tratam nesses locais ou com esses “profissionais” que eles “preparam e formam” com os tais manuais. Pois esse é o panorama real que hoje está instalado como Sistema Único de Saúde.

O TAL “PROBLEMA SOCIAL” Como admitido pelos parlamentares acreanos, o alegado “PROBLEMA SOCIAL” é antigo. Há anos estamos ouvindo a mesma reivindicação “histórica”: os médicos sem CRM devem ter um tempo para revalidar seus diplomas. Em Cruzeiro do Sul há um que está desde 1997, trabalhando como especialista em neurologia, sem conseguir regularizar sua situação. Um outro atua em Posto de Saúde de Xapuri, desde há mais de 12 anos e nunca se preocupou ou foi incomodado.

Outros mais ficaram anos a fio trabalhando sem o menor atrapalho. Isso sem contar os inúmeros casos de falsos médicos, um dos quais chegou a ser até Diretor do Hospital Geral de Cruzeiro do Sul. Então, ao invés de ficar buscando que a população seja atendida por quem não tem habilitação legal, deveriam era estar empenhados em que essa mesma população, pela qual dizem ter o maior carinho, seja atendida e bem atendida por profissionais que todos tenham certeza que são médicos mesmo. A revalidação do diploma de médico conseguido em universidade estrangeira não busca apenas conferir o grau de conhecimento e competência técnica do postulante, senão também verificar se esses diplomas e certificados não são falsos – caso não raro, conforme pode constatar-se nos arquivos dos CRMs.

OS CONSELHOS DE MEDICINA Foram criados para proteger à população. São o braço do Poder-Estado aos quais lhes foi dado como missão principal zelar para que o exercício da medicina seja seguro e ético. Seguro, porque deve ser prestado unicamente por quem possui habilitação e ético porque ele deve ser eficiente, correto, bem feito. Quando o ato médico não é realizado nestes parâmetros, deve ser denunciado e punido e isso o Conselho faz!

Ninguém discute que os Conselhos de Medicina são as corporações que mais punem seus integrantes, não porque eles sejam ruins, senão porque há muito respeito pela obrigação que assumiram em nome do Estado. Por essa responsabilidade social que o Conselho de Medicina tem é que não pode mais continuar compactuando com níveis de irresponsabilidade administrativa, social e política como os que vemos por todo lugar, sempre sob a justificativa de que não há outra saída. Mentira! Há sim e depende exclusivamente de nós, população, mudar esse espectro.

O ADMINISTRADOR PÚBLICO Princípio constitucional ensina que Administradores Públicos tem OBRIGAÇÃO de cumprir a lei. Nenhuma desculpa existe que possa ser esgrimida para justificar o injustificável, sobretudo quando se trata de situações que tendem a perenizar-se, apenas por conta de interesses menores. Nada há que justifique a contratação de pessoas não habilitadas para atuarem como “médicos” no Estado do Acre ou em qualquer outro ponto do Brasil. Os cidadãos que aqui residem são tão brasileiros quanto os de São Paulo, ou Rio de Janeiro, ou Brasília, ou Rio Grande do Sul e como tais, merecem respeito e devem ter seus direitos reconhecidos e valorizados.

Alegam os defensores da perpetuação de atuação dos não habilitados, que as “exigências da lei”, não podem servir de justificativa para deixar a população sem atendimento médico. Paradigma inaplicável e falácia das mais revoltantes. Em verdade, tentam tampar o sol com a peneira para justificar um desmando administrativo criminoso. Com esse surrado argumento estão querendo legalizar o ilegal.

Está sendo negado àquelas populações o princípio constitucional da igualdade eis que transformadas em povos de segundo ou terceiro nível. Cidadãos que não tem direito a receber o mesmo tipo de atendimento e serviço médico que recebem habitantes de outros Estados.

Esse “problema social” há anos vem sendo empurrado com a barriga e isso tem custado vidas, que certamente por não serem de filhos ou parentes de autoridades, são menosprezadas. Não dá mais para continuar aceitando que essa situação se perpetue. Não dá mais para continuar admitindo essa aberração, sob pena de transformar-nos em cúmplices desse crime contra a dignidade e a cidadania.

Cabe lembrar, ainda, que historicamente, esse pessoal que está atuando como médico, imediatamente depois de revalidar o diploma, mudam e se transferem para outros Estados. Com razão eles querem mais do que podem conseguir num município esquecido pelo mundo e por suas autoridades estaduais e nacionais. E por esse desejo de serem bem remunerados não podem ser transformados em desalmados ou descompromissados.

A IMPRESCINDÍVEL HABILITAÇÃO LEGAL Em termos legais, habilitação, no caso daqueles que estudaram fora do Brasil, significa a revalidação do diploma obtido no exterior, em alguma universidade brasileira autorizada pelo MEC. Essa revalidação implica na conferência das grades curriculares, na exigência de complementação de disciplinas que não são estudadas em outros países e até a imprescindível adequação às normas éticas e legais que regem a Medicina aqui no Brasil e que não são encontradas na Bolívia, ou no Peru e muito menos em Cuba.

Também deve ser ressaltado que a atuação desses “profissionais” significa concorrência desleal com todos os médicos “de verdade”, já que por não terem habilitação se submetem a trabalhar em troca de remuneração vil, este sim o principal motivo pelo qual os gestores públicos os contratam. Então, quem despreza a população; quem não tem consideração por ela é o gestor que prefere continuar utilizando mão de obra sem habilitação e sem comprovação de que realmente seja tal, porque, afinal, se trata disso mesmo: quem garante que esse sujeito seja, de fato, médico?

O Brasil é um Estado Democrático de Direito e essa bagunça toda que hoje vivenciamos decorre do fato de que nunca incorporamos como valor cultural o respeito à democracia e ao direito. Leis aqui ninguém respeita. A mais utilizada é a lei de Gerson, àquela pela qual devemos sempre levar vantagem em tudo, ou seja, a socializando o egoísmo. Por isso, ao contrário do estímulo ao preconceituoso princípio de que as leis só servem para beneficiar os poderosos, devíamos era estimular que elas sejam integralmente cumpridas. Esse respeito pela lei e punição aos que delinqüem é a única garantia de ter uma sociedade menos animalesca e transformar nosso meio, tal como feito o ex-Prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani quando implantou o programa de “tolerância Zero” e quase acaba com o crime, ou como aconteceu na cidade de Bogotá, na Colômbia, cujas autoridades decidiram combater e punir TODOS os crimes sejam eles pequenos ou grandes, com o que conseguiu expressiva diminuição da violência.

FAZER O QUÊ? Não podemos continuar admitindo nossa conivência com a ilegalidade como se isso fosse normal ou socialmente justo. Temos de aprender a exigir nossos direitos e fazer que todos os cidadãos os exijam também. Os serviços de saúde e os profissionais que nela devem atuar devem estar cingidos a o previsto na legislação, não porque seja assim disposto, senão porque se trata de garantir igualdade aos desiguais. Todo cidadão tem direitos e obrigação de exigi-los. O Brasil hoje, conta com mais de 300 mil médicos e ingressam ao mercado, a cada ano, mais de 13 mil. Segundo a Organização Mundial de Saúde, como mínimo exigível seria um médico para cada 1.000 habitantes, nós temos 1 médico para cada 667 pessoas. Se há médicos em excesso, onde eles estão? E porque não há médicos para atuar no interior? Fácil responder. Como todo ser humano, o médico deseja para ele e sua família uma vida digna, com trabalho, lazer, educação, cultura, perspectivas de crescimento financeiro e intelectual e, principalmente, com condições de trabalho. Coisas que em nossos municípios não existem. Por outro lado, para atuar num município o médico deve submeter-se a um concurso público, após o qual será empossado como servidor público municipal. Qual a perspectiva de vida de um servidor público municipal de Jordão, por exemplo? Algum profissional, de qualquer profissão, se disporia a confinar sua vida pessoal e profissional num confim desses? Claro que não! E não aleguem que isso é falta de “vocação”. Tirando os médicos, quantos outros profissionais serão possíveis de encontrar em nossos municípios? Quantos engenheiros, arquitetos, contadores, administradores de empresas, dentistas etc., conseguimos encontrar no Quinari, Capixaba, Brasiléia, Xapuri, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá, Rodrigues Alves, Mâncio Lima, Marechal Thaumaturgo? O que encontramos são servidores públicos do Estado ou da União, porque eles não são obrigados a ficar para sempre nesses municípios. Eles integram as chamadas “Carreiras de Estado” e como tais são lotados, por períodos definidos, para atuarem em Municípios, mesmo nos mais afastados e carentes. E o fazem sem qualquer contestação, já que ao serem admitidos aceitam essa condicionante e sabem que não será uma lotação definitiva, que com alguns anos serão removidos até chegarem à capital. Qual o motivo para não ser feito igual com os médicos? Antes, na época em que a saúde era obrigação exclusiva da União (INAMPS), havia médico em todo município. Posteriormente, no governo do FHC criou-se o PITS – Programa de Interiorização de Trabalhadores em Saúde, mediante o qual, o Ministério da Saúde, em parceria com os Municípios, conseguiu colocar médicos em quase todos os municípios, inclusive naqueles inacessíveis. Esse programa foi desativado pelo governo Lula e retornamos à negra noite da ilegalidade hoje vivida. Em síntese: saídas há. Basta que haja vontade política dos governantes e que a população assuma a defesa dos seus direitos.


* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).


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